Mensagem de Natal da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal

Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. (Lc 2, 10-11)

1. O lume do nosso borralho é avivado pelo sublime sentido destas palavras do anjo aos pastores, embora pareçam, simultaneamente, contrastar com o amargor de interrogações, estando o mundo imerso no drama de um vírus que não nos permite depreciarmos a vigilância. Sentimo-nos em abalo persistente por parte de um insidioso e obstinado aguilhão. Continuamos a oscilar num espaço inseguro. A tormenta teima em embater contra a barca de toda a humanidade e nós remamos, já cansados, temerosos e doridos quanto à transparência da nossa vulnerabilidade e da nossa dependência, pois julgávamo-nos fortes e autónomos. Abate-se sobre nós a consciência de que ninguém se salva sozinho e que «é juntos que se constroem os sonhos» (FT, 8). Fitamos, de olhos esbugalhados, um futuro incerto que se nos antecipou.

2. Este tempo de mudança de época é terreno fértil para a escuta do coração do outro e para a mutação do «eu» em «nós», com olhares que verguem e redesenhem a linha do horizonte. Um espaço infinito, repleto de desafios da «imaginação do possível», em paciência ativa, adivinhando incertos ventos longínquos. Tempo para sintonizar com a mensagem de plenitude anunciada pelo anjo: «Não temais!»; para sonhar, apesar de medos tenebrosos, e delinear aspirações de encontro e fraternidade. Rege o convite à sobriedade na partilha de gestos e afagos, é certo. Mas somos instados a que lhes incutamos intensidade e confiança: entenderemos, então, que o pouco é muito e que as pequenas coisas nos podem encher de eternidade, assim como de plenitude o vazio. Somos convocados a uma solidariedade sem muros nem cercas, valorizando o humano na sua inteireza, colorando o divino em nós e sendo sinal de proximidade, emitindo torrentes de ternura.

3. Nesta nossa condição de peregrinos, experimentamos momentos de treva, em que nada vemos, e saboreamos momentos em que tudo aparece imerso em luz celestial. Luz de esperanças, luz de desejos, luz de remissão. Jesus – a «luz que brilha nas trevas» – é aquele menino frágil que desce à nossa condição humana para comungar da nossa fragilidade e nos banhar e aquecer com a sua chama, rasgando sulcos de esperança e reacendendo a vivência da justiça e da paz, dos direitos humanos e da proteção da casa comum. Fragilidade e esplendor: que mistério grandioso! Um menino nos foi dado, para que nós, no nosso titubear da vida quotidiana, no nosso tatear por túneis desconhecidos, tenhamos um companheiro, um «Deus connosco» que nos dá a mão e nos guia. Noite repleta de luz, que nos sacode. O anjo diz-nos: «Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo». Sim, não temamos a luz: que ela entre nos nossos corações, ilumine as nossas salas mais secretas e bafientas, brilhe nas nossas famílias, comunidades e instituições, para que vamos, apressadamente, testemunhar e anunciar que nos nasceu o Salvador.

Votos de Santo Natal e Ano Novo repleto de bênçãos!

Lisboa, 15 de dezembro de 2020