Quando me pediram para escrever um testemunho, estive mesmo para desistir: não via claro o que se pretendia nem por onde começar. Mas recordando um pouco o percurso da minha vocação, lembrei-me de meu pai – o grande instrumento que Deus usou para me chamar – e como ele conscientemente preferiu “perder-me”, a interferir no chamamento divino.
Contaram-me os vizinhos, já lá vão muitos anos, que ele lhes teria dito por altura da minha ordenação: “Deste filho não espero nada quando chegar a velho. Padre, missionário… não espero que venha a cuidar de mim”!
Nunca me pôs diretamente essa questão. Por medo que desistisse? Não sei! Só sei que ele preferiu que fosse Deus a decidir, e confiou n’Ele. Talvez também pensasse que o outro filho lhe bastaria. Realmente isso aconteceu até certo tempo.
Passaram-se os primeiros 15 anos após a minha profissão perpétua. Nessa altura, quando ele tinha já 85 anos, o meu irmão morreu repentinamente, ficando ele a meu cargo, sem que eu descortinasse o modo de o ajudar. Para cúmulo (nosso, não de Deus) nessa altura teve um acidente e começou a precisar da proximidade de alguém.
Aí entrou a solidariedade da minha congregação: mais do que procurar uma instituição, ele foi ficando junto de mim no seminário de Fátima. Ficou doze anos e meio. Por várias vezes me disse: “Deus nunca nos tira nada (ficara viúvo desde os 55 anos e perdera já três filhos); quando nos parece que tira algo de importante, logo nos dá outra coisa melhor”. Também nunca soube onde fora buscar a frase já feita, mas que repetia frequentemente: “Deus não permite que se feche uma porta sem que nos abra uma janela”.
Na verdade o filho que conscientemente entregara a Deus, pensando que não iria cuidar dele, foi quem Deus colocou a seu lado no sítio e momento certo, quando precisou dele. Isto sem alterar o ritmo de missão que Ele me confiou.
P. Joaquim Valente, svd